quinta-feira, 3 de setembro de 2009

As Tâmaras na Casa Pia:

Em Lisboa, como em quase todas as localidades, existem palmeiras (Phoenix Dactylifera) que dão tâmaras como as que se vêm na foto acima. Para nós, eram um óptimo petisco. No Maria Pia havia por lá uma ou duas dessas palmeiras mas para 600 alunos esfomeados, não dava para nada e nem sequer as deixávamos secar convenientemente. Por que era um fruto proibido tornava-se apetecido. Vai daí era preciso ir à procura delas. Das vezes que saímos do asilo, quase sempre saltando o muro, aproveitavamos para memorizar onde elas estavam para mais tarde, quando estivessem boas para comer, lá podermos ir. Mas isto não era tarefa fácil. Era preciso memorizar. Era preciso saltar o muro, que era o mais difícil. Era preciso guardar segredo. Porque nas nossas cabecinhas infantis existia a ideia de que as árvores eram muito poucas, tal como lá dentro do asilo. Mas não era verdade. A cidade estava cheia delas. Creio até que na altura haviam muitas mais do que hoje. Só que os nossos caminhos eram quase sempre os mesmos e por onde passávamos não haviam assim tantas. Por isso era preciso explorar outras ruas e praças. Assim fazíamos mas geralmente íamos em grupos pequenos. Pequenos por conveniência nossa. Eram menos a comer. Para saltar o muro se fossemos muitos chamava mais a atenção. Andar na rua muitos também chamava mais a atenção. Mas não o podiamos fazer individualmente, porque lá diz o ditado: "A união faz a força". Num grupinho pequeno sentiamo-nos mais protegidos. É preciso não esquecer que se hoje desaparecem montes de crianças todos os dias, o que não era na década de 50? Em tudo nós pensávamos. Pensávamos nós que pensávamos em tudo. Mas por vezes éramos apanhados e castigados. Por isso tudo tinha que ser devidamente planeado e com antecedência. De qualquer forma tempo era o que mais tinhamos. O pior é que o raio das tâmaras levavam muito tempo a amadurecer. Só davam fruto uma vez por ano. A espera era longa. Mas muito mais saborosa quando lhe deitávamos a mão. E também não era nada fácil deitar-lhe a mão. A palmeira é uma árvore muito alta. Trepá-la estava fora de questão. Não podiamos sujar a farda. Em condições normais já nos dáva um trabalhão cuidar dela quanto mais sujá-la ou pior, rasgá-la. Isso seria uma catástrofe. A única solução seria atirar pedras para o cacho das tâmaras obrigando-as a cair no chão. Felizmente, naquele tempo raramente se via um automóvel mas as pessoas que passavam rápidamente corriam connosco. Havia que fazer a coisa pela calada. Enquanto um atirava a pedra, os outros olhavam e certificavam-se que não vinha ninguém. Era assim a árdua tarefa de apanhar umas míseras tâmaras que nos aconchegasse o estômago da fominha que passávamos.

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