quarta-feira, 9 de setembro de 2009

O Circo na Casa Pia:

Já aqui mencionei que éramos frequentemente castigados por tudo e por nada, aliás era mais fácil sermos castigados por nada do que por tudo.Mas hoje vou aqui relatar o pior castigo de todos. Felizmente posso gabar-me de que nunca me foi aplicado mas vi ser aplicado a outros que não tinham tanta sorte.Para merecer este castigo bastava ter dificuldade em se levantar de manhã ou fugir ao banho matinal. Eram os dois maiores defeitos dentro do asilo. Não havia perdão. Mas primeiro falemos do 'circo'. Quer dizer, o local onde eram aplicados os castigos. A cozinha dava para um enorme pátio que mais parecia um claustro e ao lado havia umas casas de banho. Junto a estes claustros, da parte de fora do asilo passava, e passa, a Rua Bispo de Cochim. A toda a volta dos claustros era encimada pelas camaratas. Todas as janelas, e eram muitas, deitavam para os claustros. Como eram janelas enormes cabia nelas muita gente. Espectadores não faltavam. O circo estava montado. Agora vamos ao castigo. O réu, ou os réus, quase sempre era mais do que um, eram colocados no meio do pátio. O silêncio era de cortar. Naquele momento ninguém se manifestava porque nos dava a sensação de que ainda poderiamos ser chamados para lá. Da cozinha saía uma mangueira e da casa de banho saía outra. Mas atenção que não eram simples mangueiras de borracha. Eram 'apenas' mangueiras dos bombeiros. Sempre me fez muita confusão como é que aquelas mangueiras aqui vinham parar. Dentro da Casa Pia não havia nenhuma Corporação de Bombeiros nem sequer qualquer instalação contra incêndios. Por isso havia muitos prédios queimados dentro do asilo. Os bombeiros vinham sempre de fora e quando cá chegavam era quase sempre tarde demais. Mas alguém as providenciava. A força da água de uma mangueira daquelas creio que dá para derrubar um cavalo. Agora imaginem o que não fará a uma criança de 10 ou 12 anos. É claro que a força não era tanta porque a torneira onde era ligada não era a mais adequada. De qualquer forma atirava sempre com as pobres crianças ao chão. Como ninguém achava muita graça era preciso atiçar os ânimos na assistência. Vai daí, para disfarçar a saída de sena dos castigados, viravam as mangueiras para os espectadores. Nós já esperávamos por isso e toca de fechar as janelas. Mas não era fácil. Antes de fecharmos as janelas já estávamos todos molhados, porque as janelas muito antigas e sem uso, metade delas não se mexiam. E todos acabavam rindo porque o espectáculo tinha terminado. No pátio há um portão enorme que dá para a dita rua e como naquele tempo ainda não havia o INEM era uma camioneta que trazia os haveres que fazia de ambulância para o hospital, quando os havia. Ninguém perguntava nada. Eram sempre 'coisas de crianças'.

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