sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O Cinema na Casa Pia:

De vez em quando havia sessões de cinema no Maria Pia. Eram tão raras que me lembro delas como algo de bom que acontecia e que devia ser guardado no meu pensamento para todo o sempre. Quando tal acontecia era como um dia de festa. Mas nem tudo eram facilidades. O cinema era apresentado num pavilhão que servia para todos os eventos, que não eram muitos.Este pavilhão era mais utilizado para jogos de voleibol, que eu adorava e raramente de basquetebol que era pouco apreciado. Quando terminávamos o jantar tinhamos que levar os bancos do refeitório para o pavilhão. Reparem que nós tinhamos as nossas refeições em mesas de pedra compridas. Eram 9 rapazes de um lado e outros 9 do outro em frente. Portanto, cada mesa levava 18. Mas só haviam dois bancos. Os bancos eram de madeira e suportavam o peso de 9 alunos cada. Teriam, portanto, uns 4 ou 5 metros cada um. Não eram nada leves, mas eram carregados, cada banco, pelos seus respectivos 9 alunos que nele se sentavam. Tudo ía bem se os 9 alunos carregassem todos por igual. Porém, há sempre 'chicos espertos' que se aproveitam. Os do meio só tinham que baixar um pouco o ombro e de uma maneira em geral todos estes tinham a mesma ideia. Resultado, os das pontas é que carregavam o peso todo. Isto provocava ódios de estimação, contas que seriam acertadas mais tarde, na devida ocasião. Não podiamos protestar em voz alta porque seria pior. Nornalmente, os protestantes recebiam uma ou outra chibatada pelo atrevimento de quebrar o silêncio e a ordem. Era a disciplina. Chegádos ao pavilhão éramos orientados a colocar os bancos nos lugares indicados. Nem sempre nos agradava a posição em que ficávamos. Os mais velhos faziam valer o seu estatuto e obrigavam os mais novos a trocar de lugar sem que os perceptores reparassem. Era uma guerra de nervos que terminava quando as luzes se apagavam para começar o filme. Normalmente começava sempre com a propaganda do Estado Novo e notícias do mundo português sempre enaltecendo as façanhas lusas pelo mundo fora. Tenho que reconhecer que o Estado Novo gostava muito de elogiar os seus heróis. Depois vinham os desenhos animados. Isto era imperdível. Riamos tanto que as gargalhadas alimentavam a nossa disposição por muito tempo. Entretanto vinha o intervalo. Ninguém saía dos seus lugares nem nós nos atreviamos a perder o lugar. Era só o tempo de mudar a bóbine. E vinha o filme principal. Era sempre uma surpresa, pois nunca sabiamos o que íamos ver. O filme nunca era anunciado. Uma táctica muito eficaz no caso de acontecer não poderem apresentar o filme escolhido. Normalmente era sempre um filme de aventuras. Aqui tenho que dar a mão à palmatória pois era realmente o mais adequado para uma cambada de ignorantes como nós. Pelo menos, as aventuras tinham o condão de nos fazer sonhar tal como faziam sonhar qualquer pessoa de qualquer parte do mundo. Apesar de tudo acho que esta decisão era politica. Dizia o velho ditado fascista que enquanto o povo sonha, está de barriga cheia. Por isso o regime do velho Salazar apoiava tanto o futebol, o fado e Fátima.Mas entretanto o filme terminava e a noite já ía longa. Quando saíamos do pavilhão já era noite e não estávamos habituados a andar de noite. A esta hora, nos outros dias, já tinha tocado a silêncio. Mas ainda tinhamos que 'esfolar o rabo'. Faltava o mais difícil. Era preciso trazer de volta todos os bancos para o refeitório porque no dia seguinte faziam falta para o pequeno almoço. E depois do trabalho concluído, já nós bucejávamos de sono, ainda era preciso formar em colunas de três e seguir em formatura para as camaratas, sim, porque nós andavamos sempre em formatura para todo o lado. O bom nisto é que não nos obrigavam a lavar os dentes porque, parece, que ainda não tinham sido inventadas as escovas de dentes, ou pelo menos ainda não tinham chegado à Casa Pia.

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