quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O Calhambeque da Casa Pia:

Não sei quem são estes alunos da Casa Pia, mas o calhambeque conheço-o muito bem porque ainda me lembro de ter andado nele. Naquele tempo, até que era muito jeitoso. Nós adorávamos sair nele. A cidade estava cheia de carroças que andar nele era um autêntico luxo. Uma vez, os passeios eram tão poucos que me lembro deles todos, fomos passear a Sintra. Foi a maior excursão da minha vida. Já dei a volta ao mundo muitas vezes mas este passeio nunca me esqueci dele, talvez por ser o primeiro da minha vida. Lá diz o ditado 'Não há amor como o primeiro'. Sintra, naquele tempo era uma aldeia, ainda não havia turistas. Os turistas éramos nós, os portugueses. E era verão. Lembro-me que o tempo estava óptimo. Apanhámos o eléctrico até à Praia das Maçãs.
O eléctrico de Sintra foi inaugurado há mais de 100 anos, a 31 de Março de 1904. O percurso, com uma extensão de 8.900 metros, foi prolongado a 10 de Julho desse ano até à Praia das Maçãs, totalizando uma extensão de 12.685 metros. Mais tarde, o eléctrico chegou às Azenhas do Mar.
O traçado do eléctrico assegurou o transporte de passageiros e de mercadorias entre a sede do concelho e a região agrícola, onde se produziam apreciadas variedades de fruta e o afamado vinho “ramisco”.
Adorámos o passeio por montes e vales, por vezes ao rés da estrada outras metia pelos campos e ainda por cima o que a pequenada mais gostava é que os ditos eléctrico eram totalmente abertos, o que nos dava uma grande sensação de liberdade, ao contrário do calhambeque que era todo fechadinho. E quando terminou a viagem na Praia das Maçãs tivemos direito a colocar os pés na areia só não podemos tomar banho no mar porque nós íamos fardados. A farda era igualzinha à que se vê na foto acima. Era a nossa farda de saída. Era impensável sair da Casa Pia sem farda. Agora imaginem a falta de senso daquela gente que nos comandavam. Devem ter tido um trabalhão doido para organizar o passeio? Nem pensar. Naquele tempo nada se organizava. À boa maneira portuguesa, tudo era feito em cima do joelho. Ali e agora se decidia o que fazer. Provavelmente, quando nos enfiaram dentro do calhambeque ainda ninguém sabia para onde íamos. Talvez alguém sugerisse Sintra. E digo isto porque nós nunca sabiamos para onde íamos nem quando íamos o que até nem era mau, porque assim não passávamos a noite em claro, com a ansiedade. Depois de pisarmos a areia, encher os bolsos de conchinhas, búzios e pedrinhas do mar lá estava o nosso calhambeque esperando por nós. Gostei tanto que muitos anos depois, quando me casei lá levei a minha mulher mas já havia turistas e tudo começava a ser diferente. De quaisquer das formas, eu e ela ainda subiamos a pé a encosta até ao Palácio da Pena. Não admira, tínhamos 25 anos. E naquele tempo não se pagava nada em lado nenhum. Hoje para se visitar seja o que for, tudo é pago. A cultura antigamente era só para ricos e de borla, hoje que é para os pobres também, temos que a pagar. Mas voltámos felizes e contentes para a nossa prisão, no nosso calhambeque.

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