domingo, 6 de setembro de 2009

A Fanfarra do Maria Pia:

Tanto quanto me lembro a fanfarra que tinhamos no Maria Pia não era grande coisa, mas fazia falta. Havia uns quantos corneteiros e outros tantos a bater no tambor. Creio que pouco mais havia. Mas fazia falta porquê? Ora vejam. Logo pela manhã, em vez de deixarem cantar o galo e até havia alguns por lá, não senhor. O pobre bicho não tinha voz na matéria. Só o corneteiro tinha o direito de fazer acordar toda a gente. O toque de alvorada fazia com que todos largassem o vale dos lençóis. E ai de quem o não fizesse. Havia castigos especiais para isso, mas disso eu conto noutra altura. Saltar da cama equivalia a correr para debaixo do chuveiro com a água à temperatura ambiente. Quer dizer: gelada. Ainda me lembro que no inverno chegava a congelar nos canos e às vezes, consoante a disposição dos perceptores lá mandavam ligar a caldeira da água quente mas isto só acontecia se a água não corresse mesmo e por vezes havia avarias porque me parece que a máquina não suportava as diferênças térmicas. Depois de tomarmos banho, havia que fazer as camas, varrer o chão, arrumar tudo. Para nos vestirmos era fácil. Só usávamos uns calções e uma camisa de sarja azul, como na tropa. De inverno enfiávamos umas sandálias abertas e no verão andávamos descalços. Era preciso poupar. E vinha logo o toque a formar para descermos ao refeitório.Formávamos por alturas, os mais pequenos á frente e os maiores atrás. Depois do pequeno almoço todos formavam por camaratas no pátio em frente ao refeitório. Novo toque para avançar ladeira acima até às oficinas ou às salas de aula, mas só depois de tocar a dispersar na área do recreio é que tinhamos um pouco de tempo para nós. Conforme os deveres que tinhamos estavamos mais ou menos tempo no recreio. Há hora do almoço havia novo toque para formar e íamos em formatura para o refeitório. Por vezes vinha a fanfarra completa para um exercício geral e normalmente na véspera de dias de festa tinhamos que ensaiar com a fanfarra. Todos os movimentos eram controlados pelo toque do ou dos clarins. Os tambores ou as 'arrequitas' como nós lhe chamávamos serviam apenas para marcar o compasso. De cada vez que o tambor dava um toque diferente e mais profundo, era sinal de que tinhamos que bater com o pé esquerdo no chão. Era uma maneira de controlar a cadência de passo. Igualzinho às Forças Armadas. Tudo o que nós faziamos era uma miniatura da tropa. Quando anos mais tarde eu fui para a tropa, a adaptação foi canja. Para mim tudo era normal, à excepção das armas. Isso sim, era novidade. Depois do almoço era a mesma rotina para baixo e para cima. Ao jantar o mesmo. Depois à noite, já depois de recolhermos às camaratas ainda havia mais dois toques. O primeiro acabava com todas as brincadeiras e todos se enfiavam nas camas. As luzes iriam permanecer acesas e era permitido ler, só que não havia nada para ler. De vez em quando alguém aparecia com um desenho animado que todos tinham que ler passando de mão em mão. Nem um jornal velho aperecia. A leitura, naquele tempo, não era nada divulgada e muito menos apreciada por quem mandava porque estorvava a disciplina. Outros tempos. Neste espaço de tempo que mais parecia o crepúsculo, todos tinham que permanecer na cama dentro dos lençóis. Quando tocava 'ao silêncio', passados 15 minutos, as luzes eram apagadas e nós tinhamos mesmo que adormecer. E adormecer era o melhor porque estando a dormir não sentiamos frio. O Maria Pia era (e é) um asilo situado num convento cujas paredes têm mais de um metro de grossura com janelas enormes que permaneciam abertas de noite e de dia. Jamais se fechavam fosse inverno ou verão. Agora imaginem as correntes de ar que éramos obrigados a suportar. E para conseguirem imaginar o tamanho das camaratas apenas vos posso dizer que cada camarata chegava a ter mais de 50 camas, e não estavam em cima umas das outras. Eram colocadas ao lado uma das outras.

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