sexta-feira, 11 de abril de 2014

OBRA PRONTA.

A obra foi terminada e agora faz um vistão.

terça-feira, 8 de abril de 2014

PINTORES E PINTURAS.

Olhão.
Quando eu era criança e fui aluno da Casa Pia esta era uma profissão da qual eu fui aprendiz. Entre muitos outros ofícios que lá havia a pintura era uma delas e que me calhou, por imposição, não por escolha. Naquele tempo as crianças nada podiam escolher porque tudo era imposto pelos mais velhos. Sempre pensei que esta imposição era injusta, porque eu nunca gostei deste ofício e tanto andei que consegui mudar de profissão. Porém, ao ver as novas gerações com tanta liberdade para escolherem mudei de ideias porque vejo que os nossos filhos e netos não acertam numa. 

Ao passar esta manhã pela Rua do Comércio reparei nesta arte, que me obrigaram a aperfeiçoar, e, praticamente só os restauradores é que ainda se atrevem a fazer e creio que apenas por carolice ou por necessidade. No entanto, não foi em vão que aprendi este ofício porque ao longo da vida sempre me serviu de alguma coisa quando me metia em pinturas cá em casa. O saber nunca ocupou lugar. Mas as recordações voltam e não deixamos de pensar em como o mundo mudou.
Como os velhos já viveram muito, conseguem comparar os tempos de outrora com os tempos de hoje, coisa que os mais novos ainda não conseguem, mas lá chegarão.



quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O Cinema no Maria Pia.

Na década de 50 o cinema era um acontecimento social de grande importância. A indústria cinematográfica ainda espantava muita gente que não perdiam os grandes filmes da atualidade e absorviam as conversas de todos em todos os lados.  Entretanto, no Maria Pia, ainda continuávamos a ver um cinema muito antigo quase sempre a preto e branco. As sessões de cinema no Maria Pia não eram muitas mas por vezes havia algumas. Quando era anunciado que ia haver cinema era uma grande euforia mas também uma grande trabalheira. O cinema era progetado no pavilhão de desportos. Quando terminávamos o jantar, tinhamos que carregar com os compridos e pesados bancos de madeira do refeitório para o pavilhão, que, se não estou em erro, talvez fossem uns bons 200 metros. Só depois de tudo devidamente arrumadinho é que começava a sessão. Primeiro tínhamos que gramar com os documentários do Mundo Português, ao estilo do Fernando Pessa, onde toda a política do Estado Novo tinha que ser apresentada. A seguir havia um intervalo e depois é que vinha o melhor: os desenhos animados. Por vezes eram muito antigos, mas quando tinhamos a sorte de nos calhar o Tom & Jerry, o Pica-Pau, o Pato Donald e tudo o que fosse da Wall Disney era um completo delírio. Só mais para o final da década de 50 é que começaram a aparecer os filmes e mesmo esses já eram muito velhos lá fora. Por isso a malta saltava o muro para ir aos grandes cinemas de Lisboa ver as grandes novidades. Quando terminavam as sessões de cinema no pavilhão, toda a gente tinha que carregar com os bancos de volta para o refeitório. A maior parte das vezes os filmes não valiam o esforço. Mas era o que havia. Mesmo assim tinhamos conversa para a semana toda acerca dos filmes, dos atores, das técnicas e do espanto dos filmes coloridos. Se os desenhos animados fossem bons íamos para a cama muito excitados, contentes e certamente sonhávamos com o cinema. 

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

A minha vinda para Lisboa.

Alguém ainda consegue imaginar o cidade de Lisboa no ano de 1949? Foi nesse ano que entrei no Nun’Álvares, vindo da Ribatejo na companhia da minha avó. Foi ela que me veio entregar à Casa Pia. Vivia numa família em que o meu pai tinha morrido apenas com 33 anos, de tuberculose porque era tipógrafo e trabalhava à porta fechada num ambiente em que as tintas naquele tempo deixavam muito a desejar. A minha mãe ficou com 5 filhos nos braços e viu-se na obrigação desesperada de ter que se desfazer deles… para o bem de todos. As mães sempre pensam em nós. Eu fiquei zangado com ela por me ter abandonado e levei muitos anos até compreender que ela tinha toda a razão do Mundo para o fazer. Cada um seguiu o seu caminho. Uma para o Brasil que ainda lá está, outra para França onde também ainda se encontra, outra ainda para Angola e só não ficou lá porque se viu obrigada a ‘retornar’ e eu fui despachado para a Casa Pia. Apenas o meu irmão mais velho ficou com ela porque já trabalhava. Naquele tempo ter filhos era uma garantia de reforma, mas não com crianças nos braços. Ela fez muito bem em ficar com ele porque ele foi o seu amparo para o resto da sua vida. Apesar de tudo, ela decidiu sábiamente. Eu, ao vir para Lisboa, perdi as minhas raízes, não só com a terra como com a família. A minha mãe já morreu e eu só me dou com o meu irmão. Todas as outras irmãs se foram com o tempo e especialmente com a distancia. 
Da Chamusca a Lisboa, naquele tempo eram 120 kms de autocarro com paragem em Santarém e no Cartaxo. Lembro-me perfeitamente do autocarro estar parado no meio da ponte enquanto alguns trabalhadores consertavam uma das traves de madeira que serviam de piso.Eram precisas muitas horas para chegar a Lisboa e era uma aventura tremenda, mas como eu era criança, tudo era novidade. Imaginem agora ao chegar a Lisboa. Na minha terra só havia um homem que tinha automóveis, vários, porque era o dono de quase tudo por lá. E o autocarro onde eu vinha entrou por Sacavém e percorreu toda a Avenida Almirante Reis quase até ao Martim Moniz onde se situava a Garagem e fim de viagem. Foi a partir daqui que a minha memória começou a escrever um diário… diariamente. Os milhares de cavalos puxando carroças à mistura com muitos automóveis, os ardinas gritando e carregando pesados alforges com jornais, toda a cidade gritando, buzinando, as varinas apregoando pelas ruas e eu ficando pregado ao chão olhando com os olhos muito abertos sem compreender onde me vinha meter e saltitando para evitar as bostas dos cavalos, assim cheguei à Capital. A minha avó também nunca tinha saído lá da terra mas já trazia o trajeto todo decorado na ponta da língua porque depressa me vejo a entrar pela Rua das Casas de Trabalho como na altura se chamava e eis-me a entrar num mundo completamente diferente de tudo o que eu imaginava. Tinha pela frente o Asilo D. Nuno Álvares Pereira. Lembro-me de atravessar o pequeno jardim e ao entrar sermos recebidos por uma mulher que se mostrou muito simpática. A minha avó devia estar a sentir o tal aperto na garganta que só ela sabia e eu compreendi isso só mais tarde, porque naquele momento eu apenas sentia todas as emoções juntas de estar num mundo diferente.  

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Saltar o muro no Maria Pia.

Como já disse várias vezes, pular o muro era uma arte e não era para todos. Melhor dizendo não era permitido a todos. Apesar de ser proibido pular o muro, na verdade pulávamos o muro talvez, precisamente por ser proibido. Toda a gente sabe que os mais velhos tinham uma grande influência e autoridade sobre os mais novos. Os mais novos seguiam estas regras porque não tinham capacidade para decidir e atuar sozinhos. Como raramente saíamos de dentro daqueles enormes muros a curiosidade de saber o que havia pela cidade, tão perto de nós mas tão longe de alcançar, durante anos crescia dentro de nós uma curiosidade tão grande que era muito difícil resistir ao apelo da cidade. Eu estou convencido de que saltar o muro era uma prática tão antiga como a própria Instituição. Nenhum animal gosta de estar fechado. Por isso um prisioneiro é capaz de dar a vida por um estratagema de fuga, por muito ténue que seja. Então a coisa fazia-se mais ou menos assim. Todos os rapazes mais velhos saltavam o muro para se embrenharem na cidade, cada um com os seus motivos. Uns porque queriam ver a família, outros porque queriam ir ao cinema, alguns já frequentavam o putedo do Bairro Alto e até havia quem quisesse vir cá fora só para apanhar ar, especialmente aqueles que não tinham família, o que era a grande maioria. Saltava-se o muro em grupos de poucos alunos que normalmente levavam um ou dois alunos mais novos. Porque os mais novos não sabiam andar sós na cidade, estes eram protegidos pelos mais velhos que não os largavam por nada. E assim aprendíamos a conhecer a cidade. Perto da Padaria e ao lado da Serralharia havia um portão de ferro que estava sempre fechado. Este era o lugar mais fácil para os iniciados. Na parte de dentro havia uma pequena central eletrica que era fácil subir para o seu telhado. Uma vez ali em cima tinha-se uma ótima vista sobre toda a área que nos permitia  descer agarrados aos ferros do portão e à pedra dos lados, em plena segurança. Saltei por lá milhares de vezes mas uma vez quando vinha a descer já do lado de fora, estava um preceptor para me ajudar a descer. Logo por azar tinha que passar alguém por um local deserto e não podia ser outro senão um preceptor. Por vezes também havia azares. Naquele tampo não havia prédios em frente, era um terreno baldio e apenas a linha dos eléctricos  passava por ali, mas de longe a longe. Mas se era difícil sair, o mais dificil era entrar. Tínhamos que arranjar muitos estratagemas para conseguirmos entrar e o mais fácil era mesmo pelo portão principal. Bastava conseguir distrair o porteiro ou arranjar uma manobra de diversão. Para toda esta odisseia quase sempre ficávamos sem jantar. Como se comia cedo e tempo era coisa que não tínhamos muito para percorrer a cidade é claro que chegávamos sempre depois do jantar e havia ainda o fato e ao entrarmos depois do anoitecer facilitava muito a entrada. Se já era muito divicil aguentar a fome durante tantas horas do jantar ao pequeno almoço, agora imaginem o que não era passar sem jantar. Mas o salto valia tudo. Levávamos toda a semana a imaginar e a preparar o salto para o domingo, porque durante a semana faltar às aulas ou à oficina ainda se dava um jeito o pior eram as formaturas que eram religiosamente controladas. Quando faltava alguém, depressa se dada pela sua falta. Quanto mais não fosse havia os bufos (que eram muitos) ou alguém que se aproveitava para se vingar de outro. Eu cheguei a dar o salto só para ir tomar banho à Praia de Pedrouços (onde aprendi a nadar) só porque, na nossa cabeça, não havia outra mais perto. Foram as primeiras grandes caminhadas da minha vida. Alguém consegue imaginar o que é atravessar toda a cidade de Xabregas até Pedrouços? E voltar para trás. 

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Como eu 'Gamava' Comida na Casa Pia:

Porque dentro do Asilo Maria Pia todos andavam com fome, e penso que se passava o mesmo nos outros asilos da Casa Pia, havia em nós uma constante procura de alimentos. Eram utilizadas as mais variadas formas de angariar comida, fosse qual fosse a forma ou táctica, tudo servia. Cada um desenrascava-se da melhor forma que sabia ou podia. E cada um guardava para si aquilo que conseguia amealhar, porque se serviu para uma vez, podia servir para outra. Roubar comida não era nada de mal. Entre nós, era considerado um valente e muito admirado todo aquele que conseguia comida extra. Um dia alguém conseguiu roubar o lanche do director. Fomos todos castigados duramente durante alguns tempos mas ninguém se acusou pela simples razão de que quem o fez jamais abriu a boca a não ser para se regalar com o respectivo petisco. Era assim a vida. Tudo tinha que ser feito em segredo. Se caísse na tentação de se gabar, estava completamente perdido. Como já disse anteriormente, quando entrei no Maria Pia puzeram-me na Oficina de Serralharia. A única coisa que aprendi a fazer foram chaves. Naquele tempo ainda não havia as chaves que hoje utilizamos. Eram grandes, quase todas com mais de 10 centímetros de comprimento. E pesavam. Como se pode imaginar era impossível andar com tanto peso connosco. Por isso eu guardava as chaves dentro de vários canos de esgotos. Era o local mais seguro mas muito difícil de lá chegar porque eu estava sempre com medo de que alguém me seguisse. Felizmente tal nunca aconteceu porque eu tomava muitas providências. O meu melhor truque era escalar um ou dois muros antes de pegar as chaves. Se alguém me seguisse era certo e sabido que eu via. Alguns tentaram fazê-lo mas desestiam ao segundo muro. Subir e descer muros era relativamente fácil para as crianças da nossa idade, mas eu era um escalador nato. Era muito difícil alguém conseguir acompanhar-me. Mas se alguém conseguia então era eu que desistia. Tácticas. Eu tinha tido uma boa escola, lá na terra, quando vagueava pelas ruas antes de vir para a Casa Pia. Então, acontecia que junto da cozinha, na copa onde nós lavávamos os pratos, havia uma arrecadação que só servia para guardar os pratos, as canecas e os talheres tudo de alumínio. Se por acaso havia alguém que por qualquer motivo tinha falhado uma refeição a sua comida nunca era deitada fora e muito menos se dava a alguém. Essa comida era guardada dentro dessa arrecadação. Nunca compreendi porquê mas só a deitavam fora quando começava a cheirar mal. Quando me calhava a mim a ter de lavar tantos pratos compreendi toda a mecânica e então, certo dia, resolvi fazer uma cópia desta chave. Aliás, duas chaves, porque para lá chegar tinha que passar ainda por outra porta. Felizmente o local era muito escuro e eu podia-me chegar à porta com muita facilidade. Cada chave tinha um código gravado na própria chave para eu poder identificar cada uma. Eu abria quase todas as portas dentro do asilo. Quando pretendia ir a algum lado tinha que estudar a situação dos horários, dos costumas e das pessoas que frequentávam esse local. Eu gostava muito de ler romances policiais onde se aprendiam estas técnicas. Eu actuava sempre sózinho a agia sempre premeditadamente. Para entrar na tal arrecadação onde estava a comida eu só precisava de saber se naquele dia havia lá comida. Era raro o dia em que não havia. Neste caso, eu tratei de simplificar ao máximo a minha entrada. Como todos os dias tinha fome, quase todos os dias eu lá entrava. Mas tomava as minhas cautelas. Por exemplo, jamais mexia na comida se só houvesse um prato com comida. Isso chamaria a atenção no dia seguinte. Mas quando havia 5 ou 10 pratos de comida então mais um menos um seria difícil dar por ela. Mesmo assim, eu ainda fazia outra coisa. Tirava um pouco de cada prato e ninguém dava por nada.Já imaginaram a confusão que não seria se eu viesse acompanhado? Mesmo no lado de fora da porta havia um tubo na parede meio esfolado e rôto. Com a ajuda de um arame pendurava as chaves pelo lado de dentro do tubo. Estiveram lá durante anos enquanto serviram os meus propósitos. Porque eram as chaves que mais utilizava tive que arranjar este esconderijo muito perto da porta para não perder tempo. Aquela torre que faz parte da fachada da Igreja da Madre de Deus, muito antes de ser arranjada já eu subia lá acima e guardava nela muitas chaves. Não era fácil chegar lá e penso que, pelo menos no meu tempo, não havia ninguém que lá fosse a não ser eu. Precisamente por ser difícil é que eu a considerava um esconderijo perfeito. Mesmo que o sacristão lá fosse de vez enquando não veria nada porque o buraco estava do lado contrário e visto de cima era impossível ver o buraco.
E assim ía subrevivendo.