sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Uma Profissão na Casa Pia:

Naquele tempo toda a gente precisava de uma profissão tal como hoje toda a gente precisa de um emprego. Parece o mesmo mas não é. Dantes, ter uma profissão era ter prestígio, ser respeitado. Hoje, ter um emprego, é uma questão de sobrevivência. Por isso, era muito importante, a Casa Pia fornecer uma profissão aos seus alunos. Ainda me lembro sempre que eu mencionava ter sido aluno da Casa Pia as pessoas reagiam favoralvelmente e com uma certa inveja da sorte que eu tinha. Hoje quando digo o mesmo, as pessoas deitam-me um olhar de pena e chegam a dizer-me: Aquilo não deve ter sido nada fácil, pois não? E não foi. Não foi mesmo nada fácil. Mas o que a maioria me pergunta é: É mesmo verdade tudo o que se diz? E eu digo sempre: Não se diz nem um décimo das verdades. Aqui é que acaba mesmo a conversa. Niguém está preparado para ouvir tanta lamentação. O País não está preparado nem quer saber. Mas voltando atrás, quando eu entrei no Maria Pia, pela primeira vez, senti-me homem. E porquê? Porque ao saber que ía ter uma profissão sentia uma vaidade tão grande porque me dava uma sensação de já ser grande. Já ser homem. Quão errado eu estava. Mas era uma sensação agradável. O pior era quando me defrontasse com a realidade. Então meteram-me na Serralharia. Colocaram-me junto de uma bancada onde havia um torno. Deram-me uma barra de ferro pequena e uma lima e explicaram-me: Colocas a barra de ferro no torno. Apertas e com a lima vais desgastando o ferro. Era a primeira lição. E a primeira decepção. Aquilo não era nada fácil mas também não era nada do outro mundo. Primeiro tive que digerir o ambiente. A minha vista vasculhou tudo ao pormenor ao meu redor. Os novos, como eu, não estavam a gostar nada, especialmente porque tinham que sujar as mãos. Como se dizia, na gíria, naquele tempo, era uma profissão de "ferrugem". Às pessoas que tinham estas profissões sujas, chamavamos a "malta da ferrugem". Mas os meus olhos chegaram aos mais velhos. Aí o espanto era de boca aberta. O que eles já faziam do ferro era algo que me parecia impossível e tinha razão. Nunca consegui fazer mais do que uma simples chave. Só que as chaves naquele tempo eram um bom pedaço de ferro bem trabalhado. Mas em serralharia não deixava de ser apenas um objecto simples. E foi este objecto, as chaves, que me facilitaram muito a vida nesta minha clausura. Depois conto.

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