sábado, 1 de agosto de 2009

A Festa do 3 de Julho na Casa Pia:

Este dia era dos mais felizes da nossa infância na Casa Pia. Porque era realmente um dia de festa. Era o dia de aniversário da Casa Pia. E já contava com quase dois séculos. São os quartéis velhos do Castelo de S. Jorge, adaptados pelo arquitecto Manuel Caetano de Sousa, que recolhem 13 órfãos e alguns mendigos na data da sua abertura oficial, a 3 de Julho de 1780, dia da festa da Rainha Santa Isabel, que é escolhida para padroeira da instituição. Neste dia tudo era diferente. Até a rotina mudava, o que era motivo mais do que suficiente para nos deixar eufóricos. Começava logo pelo pequeno-almoço. Até nos davam coisas que nem sabiamos o que era, como Leite, Manteiga ou Marmelada. O almoço era muito diferente do habitual. Como normalmente só comiamos carapaus ou chicharros, neste dia, quase sempre, aparecia o Peixe-Espada frito. Como não estávamos habituados a este peixe, nós adorávamos. Hoje, farto-me de pensar nisto. Como eles eram engenhosos. Bastava mudar de peixe e punham todos felizes. É realmente incrivel, mas porquê? Porque neste dia nós íamos marchar numa parada em frente ao Mosteiro dos Jerónimos. Tinhamos que começar a tratar das fardas muito cedo. Era preciso pôr tudo em ordem. No dia 3 era um grande alvoroço. Não era todos os dias que íamos sair sair do Asilo, especialmente num dia de festa. Íamos sempre a pé, todos juntos, formados por camaratas. Metiamos pela Rua da Junqueira, depois pela Rua de Belém até chegarmos em frente ao Mosteiro dos Jerónimos. Um dos grandes motivos de conversas era o facto de podermos ver o Asilo Pina Manique, que ficava situado mesmo atrás do Mosteiro. Todos nós tinhamos esperança de que um dia viessemos aqui parar. Todos sabiamos que o Pina Manique era muito melhor que o Maria Pia. E porquê? Porque no Pina Manique as profissões que lá se aprendiam eram muito melhores, por exemplo: ourives, contabilidade, e outras que até davam acesso à universidade. No Maria Pia eram as chamadas profissões da "ferrugem". Aquelas que mais sujavam: serralheiro, pintor, padeiro, marceneiro, etc. Aquelas que ninguém queria. Mas a decepção era grande. Nós íamos para uma parada, quase militar, tinhamos que estar muito tempo ao sol e acabavamos por nem sequer chegar aos portões do Maria Pia. Terminada a parada regressávamos de imediato ao Asilo. Nos dez anos que fiz esta parada só por uma vez consegui entrar no Pina Manique e foi porque me desenfiei. Eu tinha que matar a curiosidade. O que vi não me impressionou, mas como era diferente, lá fui pensando que era melhor. Voltávamos para casa e tudo voltava ao normal. Até que um dia a sorte espetou comigo no Maria Pia.

Sem comentários:

Enviar um comentário