terça-feira, 28 de julho de 2009

A ENTRADA NA CASA PIA:

Há coisas que a nossa memória nunca apaga. A minha entrada na Casa Pia é uma delas. Eu era uma criança, tinha uns 6 ou 7 anos, pelas minhas contas foi em 1949, mas lembro-me como se fosse hoje. Fui acompanhado pela minha avó materna. A separação não foi difícil, apesar de criança eu era muito reservado e como fui criado quase na rua era muito independente. O episódio que mais me marcou é que na manhã seguinte quando fui tomar o pequeno almoço no refeitório colocaram-me á frente um prato cheio de papas de milho. Era assim uma espécie de Xarém mas sem absolutamente nada. Nem sequer leite. Era apenas a farinha de milho cozida em água. Não me deram mais nada, porque para ter direito a pão e café era preciso primeiro comer as papas. E eu não comi. Aquilo era muito estranho para mim. E fiz beicinho. Mas não o demonstrei. Nem ninguém me perguntou porque é que eu não comia. Apenas me disseram: Se não comes a papa não há mais nada. E lá fui à vida de barriga vazia. Há hora do almoço serviram toda a gente menos eu. Depois de todos estarem servidos colocaram-me à frente o mesmo prato de papas do pequeno almoço. Ninguém ria nem troçavam de mim. Parecia que todos se sentiam comprometidos. Mais tarde compreendi porquê. É que quase todos passaram pelo mesmo. É preciso compreender que quase todos nós eramos filhos da rua, todos estavamos habituados a passar fome. Por isso, o mais lógico era atacar a comida. Mas havia uma coisa que nos impedia de o fazer, e isso eu só mais tarde é que compreendi, depois de observar muitos outros. Era o nosso sentido de liberdade. Tinhamos perdido a nossa liberdade. Alguém nos obrigava a comer quando, normalmente, éramos nós que lutávamos para arranjar comida. Talvez isto pareça estranho a muita gente. Gente que nunca passou por isto. Mas eu estava a sentir esta mudança. E não comi. Desta vez também não comi. Lanche era coisa que naqueles tempos não existiam, especialmente para os pobres. De maneira que veio a hora do jantar e aconteceu exactamente tudo da mesma maneira. Espetaram com o maldito prato à minha frente. As papas de milho já apresentavam rachas e começavam a secar. Eu devo ter engolido em seco porque o meu estômago já reclamava. Desde o dia anterior que não comia nada. Até lambi o prato, e não é que depois de ter comido as papas ainda me deram o almoço e o jantar!

1 comentário:

  1. EU SOU CARLOS ALBERTO MARQUES TRAQUETE EX Aluno n:10037 dos colegios NUNU ALVARES PEREIRA, ESECÇÂO MARIA PIA,- ENTREI EM 1950 E foi para o NUNO NALVARES, em 1956 FOI PARA O MARIA PIA ATÉ 1962 ALTURA QUE FIS 18 ANOS. AINDA ME LEMBRO ESTAR A TRÁS DA PISÇINA A FUMAR O PRIMEIRO CIGARRO LEVEI NESSE DIA 12 OU 24 REGUADAS NÃO ME LEMBRO BEM

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